Eu era a editora de uma série de vídeos. O trabalho exigia que eu e a equipe passássemos cinco dias juntos, andando e filmando para lá e para cá. Não me lembro de ninguém dessa equipe. A não ser, claro, do fotógrafo. Cerca de cinqüenta anos, cheio de casos engraçados sobre o trabalho, a família, as viagens, a vida. Cumprimentava todo mundo calorosamente, sorria sem parar. A típica pessoa simpática. Eu, claro, gosto de pessoas simpáticas. Gostei de todo mundo da equipe, mas gostei mais dele. Quando o trabalho acabava, era com ele que eu conversava sobre o trabalho, a família, as viagens, a vida. Superlegal.
Bom. No último dia de trabalho, esse fotógrafo simpático me ferrou. Foi uma coisa meio vilão de novela, com direito a mentira, difamação e fuga. Me passou para trás, mesmo. Tive o maior trabalhão para desmascará-lo para a empresa que tinha me contratado. Foi a primeira e última experiência profissional que tive desse tipo. Foi também a primeira e última vez que usei a palavra “desmascará-lo”.
Naquele dia, cheguei em casa péssima. Um amigo deu o azar de me ligar justamente nessa hora. Foi para ele o desabafo. Ele mal entendia a história, porque eu só conseguia dizer:
– Mas ele era tão simpático!
Esse meu amigo é executivo. Ele comanda uma grande equipe numa grande empresa e trabalha com pessoas simpáticas e antipáticas há muitos anos. Mas trabalho, mesmo, ele teve comigo, quando tentou me explicar o óbvio: uma pessoa antipática pode ser a mais leal de uma equipe. E uma supersimpática pode ser justamente a que vai te ferrar.
– Não pode ser – teimei. – Pessoas simpáticas são ótimas! Quem não prefere ter um chefe simpático?
– Você prefere um chefe simpático ou um chefe justo?
Esse meu amigo é bem persuasivo.
Desliguei o telefone pensativa. Comecei a me lembrar das pessoas simpáticas que tinha conhecido ao longo da minha vida. Depois, das antipáticas. As meio-termo ficaram de fora. Eu só queria me lembrar de pessoas como o fotógrafo, uns amores, mas não exatamente confiáveis. Lembrei. Também lembrei o oposto: pessoas antipáticas que sempre mereceram minha confiança.
Fui tomar meu banho arrasada. Simpatia não garante NADA. E eu, que sempre procurei ser simpática com os vizinhos, o porteiro etc. Às vezes, sou simpática porque estou num dia simpático, mas, às vezes, me esforço para dar sorrisos e tal. Para quê? Simpatia não mostra nada sobre o caráter, a índole, a alma de uma pessoa. Na verdade, em tempos de relativismo, nem sei se cabe falar em caráter, índole, alma – sobre essa última, ainda podemos alegar que a metafísica morreu no século 18. O ponto é: naquele dia, melhorei meu vocabulário e aprendi que “simpático” não é sinônimo de “legal”.
Mas é claro que, no meu trabalho seguinte em equipe, meses depois daquele, me deparei com outra pessoa supersimpática. Afinal, elas estão em toda parte. Dessa vez, era uma mulher, dessa vez, uma jornalista. Ai, que simpatia. Dessas pessoas simpáticas que só perguntam seu nome uma vez e já vão decorando como você se chama, como seu marido se chama, como você costuma pedir seu café. Prestam atenção a tudo, contam casos espirituosos, se abrem na medida certa, não falam de mais, nem de menos, sorriem. Enfim, o tipo da pessoa que me faz pensar, sem nem conhecê-la direito: “Que pessoa bacana!”
Nem preciso dizer que esqueci tudo o que tinha aprendido com o episódio do fotógrafo e com os conselhos do meu sábio amigo.
Porque ser simpático pode não significar nada, mas e daí? Não me importo: eu simplesmente adoro quando as pessoas são simpáticas comigo. Me sinto querida, meu humor fica bom, meu dia fica bom. Pode não significar nada, mas tudo tem que significar alguma coisa?
Está resolvido. Se eu cruzar com alguém não muito confiável, que essa pessoa não me faça aturar, além da sua falta de confiabilidade, a sua cara amarrada. Se alguém for desleal comigo, que, pelo menos, seja desleal depois de um cafezinho regado a conversas bem simpáticas. Porque, afinal, como diria Casimiro de Abreu, simpatia é quase amor.